Quando analisamos a evolução do volume de carga, em toneladas, realizada pelo modo rodoviário, entre Portugal e o Norte da Europa (Alemanha, Holanda e Bélgica), Reino Unido, Irlanda e Itália, em ambos os sentidos, ou seja, de importação e exportação, durante os últimos 26 anos, e compararmos com o transporte de carga contentorizada por via marítima entre Portugal e os mesmos países (Fig 1), chegamos à conclusão que a expetável transferência modal entre o modo rodoviário e a solução intermodal com base no transporte marítimo não se verificou. Não obstante todas as declarações políticas nesse sentido, todos os programas comunitários de apoio a essa transferência, como o PACT (Pilot Action on Combined Transport) e o MARCO POLO I e II ou o MoS (Motorways of the Sea) ou todos os discursos políticos sobre as questões ambientais.
O crescimento médio do mercado global foi de 4% ao ano e ambos os modos de transporte cresceram de igual forma.
Então, o que correu mal para que todas as vontades políticas e os programas europeus mencionados não tivessem os resultados esperados?
As explicações são várias.
A primeira foi que o “lobby” do transporte rodoviário foi sempre mais forte do que a vontade política de resolver um problema que agora estamos a ver que deveria ter sido resolvido nos anos 90, com a abertura das fronteiras e a livre circulação de pessoas e bens, quando estava perfeitamente previsto o que iria acontecer.
Todo o aumento do fluxo de mercadorias que iria acontecer seria realizado pelo modo rodoviário se não fossem tomadas medidas para encontrar soluções alternativas viáveis, quer operacionalmente quer em termos de custos.
Pelo menos era essa a intenção da Comissão Europeia que, em 1990, começava a anunciar que seriam impostas restrições ao transporte rodoviário de longo curso, devendo ser substituído por alternativas intermodais, quando fosse possível.
É claro que essas restrições nunca se vieram a verificar devido a pressões de vários lados do “lobby” do transporte rodoviário, desde logo, dos fabricantes de camiões que ameaçaram com o encerramento de fábricas, e dos próprios transportadores rodoviários com ameaças de bloqueios de estradas.
Em alternativa optou-se por criar programas de apoio financeiro para incentivar o aparecimento de novos serviços intermodais, os quais não tiveram sucesso, na grande maioria dos casos, acabando por desistir e encerrar quando se acabava o apoio financeiro do programa, por falta de viabilidade financeira.
Para além disso, em vez de se fazer o transporte rodoviário pagar os custos reais da sua atividade, nomeadamente da infraestrutura que utiliza e dos custos externos marginais que gera (custos ambientais, congestionamento, segurança, acidentes, etc.), para além de continuar tudo na mesma ainda se chegou a criar, em alguns países, o combustível profissional.
Para dar uma ajuda, em 2015 a Diretiva comunitária 219, de 29 de Abril, vem permitir o aumento das dimensões dos veículos de transporte de mercadorias de 18,75 m para 25,50 m (Euro Modular com + 6,75 m) e 60 t de peso bruto em vez de 40 t. O mesmo diploma foi aproveitado para autorizar a circulação dos contentores de 45’, permitindo que os veículos que os transportam excedam o seu comprimento em 150 mm… É parecido.
Tudo isto depois de se ter proibido, em 2006, a circulação dos contentores de 45’ que não tivessem os cantos frontais cortados (o que representava um acréscimo de custo na sua construção) devido a excederem as medidas de comprimento em 116 mm. Uma autêntica ameaça ao transporte rodoviário pois dessa forma não permitiria que o contentor de 45’ palletwide pudesse transportar 34 europaletes de estrado, em vez das 33 europaletes que o semi-reboque podia transportar.
Esta Diretiva foi transcrita para a Lei Portuguesa através do Decreto Lei 132/2017, de 11 de Outubro, dois anos depois da publicação da Diretiva, e mesmo assim com um erro para o qual se chamou a atenção do Ministro da tutela e do IMT, o qual finalmente respondeu, servindo essa resposta para demonstrar o desconhecimento que pessoas responsáveis têm sobre estas matérias. Por fim, a AMT, também contactada após a resposta do IMT, reconheceu que existia um erro e que teria de ser corrigido. Até hoje continua tudo na mesma. Sem comentários.
O que se pode constatar é que durante estes 26 anos nunca se viu qualquer apoio sério à solução intermodal com base no transporte marítimo.
Por exemplo, em Portugal, em 2002, foram feitos estudos sobre Terminais Dedicados ao Transporte Marítimo de Curta Distância em todos os portos nacionais, sendo o então IPTM o responsável pelo estudo, em parceria com os principais portos nacionais.
Em todos os portos foram desenhados e sugeridos locais para terminais desta natureza.
O único local que está a ser utilizado para algo semelhante é no Porto de Leixões, onde trabalha atualmente a CLdN com os seus navios Ro-Ro. Porém, o posto de atracação desenhado e sugerido na altura não coincide com o atual e certamente com a construção do “futuro” novo terminal de contentores deverá desaparecer, pois será operacionalmente difícil, se não impossível, atracar naquele local um navio do tipo que a CLdN utiliza, caso estejam atracados em simultâneo um navio de cruzeiro e um navio de contentores no novo terminal.
Talvez fosse bom rever-se esse projeto pois poderia dar uma ideia de como resolver o problema.
Mas o problema e o mal não residem apenas nas condições de operação nos portos, na vontade política e nos “lobbies” contrários ao desenvolvimento de soluções intermodais com base no transporte marítimo.
Os próprios operadores de transporte marítimo têm alguma (por vezes muita) culpa na forma como operam.
Na sua maioria não são operadores de TMCD (Transporte Marítimo de Curta Distância) ou de SSS (Short Sea Shipping), como lhe queiram chamar, para cargas intraeuropeias. São operadores de serviços feeder que distribuem ou recolhem as cargas de/para os navios oceânicos de longo curso, dando prioridade às cargas feeder em detrimento das cargas intraeuropeias, tornando os serviços pouco credíveis e ajustáveis às necessidades do mercado.
Para uma carga intraeuropeia, um tempo de trânsito de 6 a 7 dias é já de si elevado. O não embarque da carga por o navio estar cheio de carga feeder, provocando um atraso de 7 dias, passando o tempo de trânsito para 2 semanas, é um desastre inaceitável. 100% de atraso e de impacto negativo na cadeia de abastecimento.
O contrário seria menos penalizador, ou seja, se uma carga feeder com origem na China, que tem um tempo de trânsito de 35 dias ou mais, se atrasasse 7 dias teria um atraso que corresponderia a 20% do tempo total de trânsito. Mas como normalmente há penalizações contratuais, não há outra alternativa se não deixar a carga intraeuropeia para trás.
Todas estas questões, em conjunto, são a razão da falta de transferência modal que deveria ter ocorrido.
A provar esta conclusão está a evolução da carga ro-ro verificada no porto de Leixões e impulsionada pela CLdN (Fig. 2) assim como a evolução da carga contentorizada movimentada entre Portugal e Itália após o início do serviço da Tarros (Fig. 3).
Ambos os serviços são verdadeiros serviços de TMCD para cargas intraeuropeias e os resultados estão à vista.
Esperemos que mais operadores sigam estes exemplos, pois todos beneficiaríamos com isso. Quanto mais não seja pela redução das emissões de CO2 que atingem mais de 30% na opção intermodal, e não basta pressionar pelo poluidor pagador, pois não vamos a lado nenhum se pagarmos para podermos continuar a poluir, pois como já muito se tem chamado a atenção, “não há planeta B”.
Esperemos que os portos de Leixões e de Setúbal estejam à altura para apoiar este tipo de serviços e não os deixem desaparecer por falta de condições, ou alterações nas suas instalações que os prejudiquem, mas criando as mesmas para receber mais e novos serviços deste tipo.
De resto, é apenas uma questão de vontade política, a qual sabemos que é habitualmente… má…
JOÃO SOARES